O desembargador Luis Cesar de Paula Espindola, do Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR), disse que “mulheres estão loucas atrás de homens” durante sessão da Corte nesta quarta-feira (4).
A fala do desembargador Espindola aconteceu na sessão da 12ª Câmara Cível do TJPR, onde ele é presidente. O pronunciamento ocorreu durante o julgamento de um professor de uma escola pública no interior do Paraná.
A sessão discutia o pedido de retirada de uma medida protetiva. A decisão proibia o professor de se aproximar de uma aluna de 12 anos após o docente enviar mensagens com elogios para a estudante. Além disso, ele foi investigado e absolvido na área criminal por suspeita de ter importunado a menina.
Na discussão, o tribunal decidiu manter a medida protetiva por quatro votos a um. O desembargador Espindola votou contra a medida com a justificativa de que não há provas contra o professor.
“Hoje em dia, a relação aluno e professor, sabe, a gente vê […] Lá é uma comarcazinha pequena, do interiorzão, todo mundo se conhece, sabe? É diferente de uma assim, de uma Curitiba da vida, sabe, ou de uma cidade maior”,
diz o desembargador.
Na sequência, a desembargadora Ivanise Trates Martins, que não fazia parte do quórum, se manifestou sobre a declaração do presidente da 12ª Câmara Cível:
“Nós, mulheres, sofremos muito assédio desde criança, na adolescência, na fase adulta, e há um comportamento masculino lamentavelmente na sociedade que reforça esse machismo estrutural […] que é poder olhar, piscar, mexer, dizer que é bonitinha, ‘uma sua roupa tá com você, tá?’
Puxa esse jeitinho de fazer de conta que tá elogiando, mas que, nós mulheres, percebemos a lascívia quando os homens nos tratam dessa forma. E talvez os homens não saibam ou não tenham ideia do que uma mulher sente quando são tratadas com uma lascívia disfarçada. Nós sabemos, uma piscadinha, um olhar, quem sabe numa sala de aula, ou em qualquer outro lugar, extremamente constrangedor”,
afirma.
Desembargador Espindola diz que ‘mulheres estão loucas atrás dos homens’
A 12ª Câmara Civil, onde o desembargador é presidente, é responsável por julgar casos de Direito de Família, união estável e homoafetiva.
Em 2018, o desembargador já foi condenado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) pela Lei Maria da Penha por agredir a mãe e a irmã. Ele foi condenado a 7 meses de prisão, mas o caso prescreveu.
“Vem com o processo um discurso feminista desatualizado, porque se essa vossa excelência sair na rua hoje em dia o que quem tá assediando, quem está correndo atrás de homens são as mulheres, porque não tem homem, sabe? Esse mercado é um mercado que está bem diferente.
Hoje em dia sabe o que o que existe, essa é a realidade as mulheres estão loucas atrás dos homens, porque são muito poucos sabe? Esse é o mercado… É só sair à noite […] Nossa, a mulherada tá louca atrás do homem sabe? Louca para levar um elogio, uma piscada, sabe? Uma cantada educada, porque elas é que estão cantando, elas que estão assediando, porque não tem homem […] Vai no parque só tem mulher com cachorrinho, louca para encontrar um companheiro para conversar e eventualmente para namorar.
[…] As mulheres é que estão assediando, sabe? Não sei se vossa excelência sabe, professores de faculdade, sabe, são assediados. É ou não é, doutora? Quando sai da faculdade, ele deixa um monte de ‘viúva’, a gente vê, cansado de ver isso e sabe disso sabe? Então, tudo é muito pessoal, esse é um discurso que eu acho que está superado, sabe, ninguém tá correndo atrás de mulher, porque tá sobrando”.
O TJPR publicou, nesta quinta-feira (5), uma nota pública do desembargador Luis Cesar de Paula Espindola:
“Esclareço que nunca houve a intenção de menosprezar o comportamento feminino nas declarações proferidas por mim durante a sessão da 12ª Câmara Cível do tribunal, afinal, sempre defendi a igualdade entre homens e mulheres, tanto em minha vida pessoal quanto em minhas decisões. Lamento profundamente o ocorrido e me solidarizo com todas e todos que se sentiram ofendidos com a divulgação parcial do vídeo da sessão.”
Logo após a repercussão da declaração do desembargador, as organizações públicas se manifestaram sobre o caso através de notas. Confira na íntegra:
Ordem dos Advogados do Brasil – Paraná
“A OAB Paraná manifesta publicamente seu repúdio ante à odiosa manifestação do desembargador Luís César de Paula Espíndola na sessão da 12ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR) na última quarta-feira, 3 de julho.
As estarrecedoras manifestações do magistrado afirmando que “as mulheres estão loucas atrás dos homens” e imputando às mulheres, generalizadamente, comportamento que ele classifica como “assédio aos homens”, além de discriminatórias, expressam elevado grau de desconhecimento sobre o protocolo para julgamento com perspectiva de gênero, de cumprimento obrigatório pelos magistrados e tribunais. Revelam ainda profundo desrespeito para com as mais recorrentes vítimas de todo o tipo de assédio: as meninas e mulheres brasileiras.
Estatisticamente, o Paraná foi o estado com maior número de ocorrências registradas de assédio sexual no Brasil, segundo dados do Anuário de Segurança Pública do Paraná relativos a 2022. O levantamento mostrou que 1.013 mulheres fizeram boletins de ocorrência pelo crime naquele ano. O número de casos de importunação sexual também é alto. Em 2022, foram 2.295 registros.
Em que pese o cenário desolador, é notável o esforço do Estado, no âmbito dos três poderes, e de toda a sociedade, inclusive da OAB, para o enfrentamento desses indicadores e da eliminação do preconceito e da discriminação contra as mulheres. Também nesse contexto, a posição assumida pelo julgador merece repúdio, uma vez que atua na contramão de um esforço coletivo no enfrentamento das barreiras impostas às mulheres e, em especial, por partir de um servidor público com quem a sociedade deveria contar para acolher as vítimas e promover a justiça. Nunca o contrário.
Ao tempo em que se expressa a indignação em relação ao fato, repudiando-o com veemência, confia-se na necessária atuação do Poder Judiciário.
Diretoria da OAB Paraná”
Tribunal de Justiça do Paraná
“O Tribunal de Justiça do Estado do Paraná vem a público esclarecer que não endossa os comentários feitos pelo Desembargador Luis Cesar de Paula Espindola durante sessão da 12ª Câmara Cível do Tribunal no dia 3 de julho de 2024.
Já foi aberta investigação preliminar no âmbito desta corte, com base na Resolução 135 do CNJ, e o desembargador terá prazo de 5 dias para se manifestar.
O Tribunal reitera que não compartilha de qualquer opinião que possa ser discriminatória ou depreciativa, como, aliás, é próprio de sua tradição e história de mais de 132 anos.”
Defensoria Pública do Paraná
“A Defensoria Pública do Estado do Paraná (DPE-PR), por meio de seu Núcleo de Promoção e Defesa dos Direitos das Mulheres, manifesta repúdio veemente às declarações do desembargador Luís César de Paula Espíndola durante a sessão da 12ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR), ocorrida na última quarta-feira.
As falas do desembargador, que desrespeitam e menosprezam as vozes das mulheres ao rotular o feminismo como “ultrapassado” e sugerir que “hoje em dia as mulheres estão loucas atrás dos homens”, revelam uma visão profundamente discriminatória e desconectada da realidade. Os comentários ignoram a complexidade das mulheres como indivíduos autônomos e reduz suas ações a estereótipos arcaicos e prejudiciais. As declarações são uma afronta direta à dignidade de todas as mulheres e perpetuam estereótipos que temos combatido com determinação ao longo das décadas.
De acordo com o Anuário de Segurança Pública do Paraná de 2022, o Paraná teve 1.013 casos de assédio sexual e 2.295 casos de importunação sexual registrados. Estes números são um reflexo da realidade brutal enfrentada por mulheres e meninas diariamente, e as declarações do desembargador perpetuam desrespeito e insensibilidade diante desse cenário.
É imperativo que figuras públicas, especialmente representantes do sistema de Justiça, atuem como defensores da igualdade e do respeito. As declarações do desembargador Luís César de Paula Espíndola estão em total desacordo com os valores que o Poder Judiciário deve promover. Suas palavras contradizem os esforços coletivos de nossa sociedade ao longo de décadas para superar as barreiras que as mulheres enfrentam, e minam a expectativa de que servidores públicos e servidoras públicas defendam a justiça e a equidade.
A Defensoria Pública do Estado expressa profunda indignação e espera que os órgãos competentes tomem as devidas providências para assegurar que atitudes semelhantes sejam devidamente apuradas e que não sejam toleradas no futuro. A luta pela igualdade de gênero é contínua, essencial e não admite retrocessos.”